quinta-feira, 14 de junho de 2007

José Jorge de Carvalho

Em resposta à idéia de exclusão, é exatamente dela que partimos para fazer essa discussão.

A questão da representação tem a ver com o subalterno e com o diáologo. Precisamos fazer o exercício da auto-representação.

Objetos intocáveis. Existe o inegociável. Sem isso não é negociação, é a venda direta. E são esses objetos intocáveis dão a noção do que se pode ou não tocar.

Em relação ao capitalismo, ele precisa ser questionado. E vai desaparecer. Ele não é inevitável nem irreversivel. A resposta à exclusão não deve ser a inclusão subalterna, devemos pensar em alternativas para as trocas e para a renda.

A Convenção é uma plataforma para você se apoderar e construir sua reivindicação, para construir mecanismos legais. A Convenção é uma ajuda para tudo isso.

Como síntese, estamos em certo sentido parecidos com o negro norte-americano em 1936, quando havia a supremacia do nazismo. Eles ganharam medalha de ouro, mas voltaram para seus bairros, sem nada mudar.
A nossa relação aqui está assim. Os artistas tradicionais viajam, se apresentam, mas voltam para seus lares e nada muda, voltam para morrer de fome, enquanto outros bebem champanhe.
(PR): acho que a fala com os mestres deve ser mais direta, pela diferença de formação.

(PR): como a participação acadêmica pode ser mais eficiente?

Felipe (PR): não queremos que as comunidades fiquem isoladas, porque o capitalismo chega lá. Temos que refletir sobre as várias visões diante disso.

Tatjane (PR): é importante aticular políticas públicas e adaptar ao máximo às realidades das rádios comunitárias, das comunidades quilombolas, para que a política tenha efetividade.

George (DF): sobre o uso da imagens e das músicas nas comunidades tradicionais, em um projeto chamado Tancalé conseguimos aplicar as idéias de Paulo Freire na produção de um vídeo. Dividimos e dialogamos sobre a produção, o roteiro, a edição. O resultado foram dois vídeos e a aceitação foi boa. E estamos tentando ampliar para outras comunidades quilombolas e para o DF.

Francimária (DF): como a Convenção vai atingir as comunidades tradicionais? Temos que pensar na questão da propriedade intelectual também.
Alexandre (BA): acho que temos que olhar a cultura sob o ponto de vista da saúde, da emoção e não apenas do ponto de vista comercial.

Maurício: a sociedade civil deve manter a discussão da Convenção. Devemos também lutar pela regulamentação de alguns setores, principalmente dos índios, às tutelas.
O prêmio é uma conquista dos grupos indígenas, que propuseram a demanda. Há a participação das lideranças indígenas, há uma flexibilização da legislação. Ainda tem a questão da oralidade, devemos lutar pela sua aceitação como forma de reconhecimento. Devemos também incluir a sociedade civil na elaboração de políticas públicas.

Fernanda (DF): em relação à institucionalização da participação dos mestres, temos que pensar na representatividade diante da multiplicidade.

Josiane (DF): quero ressaltar a relação entre a cultura tradicional e a economia da cultura. Quando eu retiro a expressão do seu local de origem, ela perde expressão? Como tornar essa relação positiva com o capitalismo e a indústria cultural para trazer renda às comunidades?
Salvador: a academia não é um espaço em que eu me sinto à vontade, como negra, nordestina. Acho importante sim que os mestres venham porque eles não podem ser considerados só objetos. E a linguagem deve ser adaptada ao público a que se destina.
Vejo muitos produtores explorando artistas, sem nenhum cuidado, sem dizer para que veio e sem nem dar retorno às comunidades.

MinC

Pablo Martins: a idéia da realizacão dessa oficina é a desregulamentação do debate e tirá-lo do âmbito governamental. O contexto em que vivemos hoje é o primeiro passo da discussão da diversidade, em analogia com a discussão sobre o meio-ambiente que ocorreu há duas décadas. A intenção é só iniciar o debate e ampliá-lo para a sociedade. E o reconhecimento da ausência dos mestres só mostra a importância desse diáologo.
Estamos no melhor momento para a discussão desses temas, da diversidade e da exclusão.

Devemos fazer uma comparação entre o padrão de vida do mestre Felipe (músico, cantor) com os músicos populares, eruditos. Nenhum deles vive na mesma situação que ele, com tanta dificuldade, com tanta exceção. Essa radiografia é importante. Devemos fazer isso no Brasil inteiro, mapear todos os mestres do Brasil. Só podemos criar um pensamento, uma política a partir daí. Temos grande expressão das culturas tradicionais e seus atores morrem de fome, em comparação com os artistas eruditos.

Deve haver um compromisso de se repassar a informação do MinC.

Pra se desfazer o mito da cultura nacional, é preciso reconhecer que ela não existe. Há uma dimensão internacional da cultura brasileira, como a nação guarani - eles estão em vários países. O espaço do Estado é menor do que o espaço da cultura.

Acho que é possível dialogar com os mestres, mesmo nesse espaço. Basta adequar o discurso, mas é possível fazer a tradução. E na verdade temos que disseminar sim esses estudos na academia porque existem poucos professores especializados.

Sobre a tutela dos mestres, isso também tem a ver com a informação, com a decodificação das informações. Isso se articula com a luta contra a espetacularização.

E estamos afirmando a ausência de mestres. Pelo menos é um reconhecimento da ausência. Isso está sendo anunciado.
Micaela (MA): o tambor de criola está quase virando patrimônio imaterial, mas os mestres estão com quase 80 anos. De que forma que esses mestres podem fazer parte da criação desse novo pensamento e como nós podemos chegar até eles?

(MG): os mestres não estão aqui porque os mestres estão precupados com os alimentos. O que fazer?

Mestre de capoeira: temos dificuldade em ter espaço para discussão. Temos que criar oportunidade para as crianças. Temos que combater a tirania.

(PR): a questão alimentar é realmente séria, a segurança alimentar. Tem que ter uma comunicação entre ministérios, a elaboração de legislação coletiva (educação, comunicação, desenvolvimento agrário).

(PR): como fazer para aproveitar o conhecimentos dos mestres? Esse é um tipo de reunião muito acadêmica, os mestres não entenderiam.

(PR): eu vejo a espetacularização da cultura popular, isso me preocupa. Os encontros acontecem para o encontro de pesquisadores. Mas os mestres continuam nas suas cidades e às vezes ganham tutela.

Fabrício (Feira de Santana): temos 104 grupos de capoeira e eles não estão aqui, além de outros mestres. É importante a divulgação.

(FS): Nós tivemos muita dificulade em entrar com contato com os mestres que moram no interior. Reforço a dificuldade na comunicação.

Respostas professor

Sobre a relação entre a comunicação e o poder, poderíamos propor um protocolo de trabalho: só se devem fazer encontros como esse com a presença de mestres.

Sobre o direito à informação, o MinC deve ter posições progressistas, de ampliação do debate. Temos que considerar a violência do monopólio monológico e o MinC deve lutar contra isso, como um espalho progressista. Existem experiências exitosas como o Vídeo nas Aldeias.
No Brasil estamos vendo nos últimos dias um ataque às comunidades quilombolas pelo Jornal Nacional, frente a uma experiência progressiva, ampliada. Temos uma posição reacionária. Existe um ataque à construção da diferença.

Muitos artistas tradicionais fazem parte de outros processos sociais. Tudo está conectado.

Perguntas

Feira de Santana: devemos considerar a questão do direito à informação. Porque os metres têm poder de atuação e realização. Mas temos que pensar em formas de melhorar o acesso à informação porque a prática melhoraria bastante.
O que as comunidades percebem é que os pesquisadores e cineastas vão lá, filmam, pesquisam e vão embora.

Maria Fulgência (Feira de Santana): devemos lutar pela disseminação da informação, para que o espaço de reflexão seja ampliado e para que consigamos mudar essa situação, a concentração, a colonização.

Lia (SP): sob o ponto de vista da comunicação, ela é unilateral, de mão única. Em poucos casos há o compartilhamento das linuagens e dos instrumentos. Precisamos pensar na diversidade na comunicação.

Socorro (PR): como vamos levar a discussão do meio-ambiente em relação à cultura, elas estão juntas. Preocupam-me as populações ribeirinhas. Devemos pensar também em instrumentos legais que considerem as culturas, os hábitos. E também em políticas públicas integradas e transversais.

Felipe (PR): a globalização atinge de forma arrasadora as comunidades tradicionais. Como conter o processo de aculturação? Como ajudar as comunidades a se verem como locais e globais? Como unir o discurso e as demandas das comunidades?

Perguntas

Marcela Bertelli: como considerar a propriedade intelectual? E como devemos construir a diversidade cultural sem que ela seja construída como um mito?

Repostas

Prof. José Jorge: Não conseguimos democratizar a diversidade linguística, a começar pelo falar diário. Isso está em tudo, inclusive no meio acadêmico. Teríamos espaço para isso, mas não o fazemos, sempre convidamos professores europeus e nunca africanos.
Sobre a utopia da mestiçagem, é uma forma de domesticar e de conter a diferença e a diversidade. Temos que afirmar a diferença. Se as manifestações são afro-brasileiras, elas têm que ser reconhecidas dessa forma e não como cultura brasileira.

Perguntas

Emanuel (PR): com relação ao multiculturalismo, de que forma as culturas populares podem enfrentar a hegemonia principalmente dos EUA, como demarcar a questão da cultura negra nesse contexto? Ultimamente, a cultura negra tem sido considerada cultura brasileira, sob o mito da miscigenação. O que fazer?

Maurício (SP): qual o parâmetro para a construção democrática do espaço linguístico intercultural?

José Jorge de Carvalho

Primeiro o professor José Jorge de Carvalho fez um resumo do texto do texto produzido por ele, que está aqui no blog. Depois ressaltou que os demais países da América Latina também estão discutindo a interculturalidade.

Felipe Ribeiro (MinC): devemos levar em conta um ecossitema cultural, que deveria ser como um ecossistema natural. Há a extinção de alguns atores e devemos combater isso, com a ajuda da Convenção da Diversidade - como ocorreu com o Protocolo de Kioto, em relação ao desenvolvimento. A Convenção da Diversidade deve proteger as expressões tradicionais.

Marcelo (SP): devemos combater a ação dos EUA contra a Convenção da Diversidade. Devemos juntar esforços para elaborar a participação do Brasil na Convenção das Partes.
No Brasil, temos uma perda de força dos partidos políticos e o aumento da participação do terceiro setor, da sociedade, como alternativa aos partidos. Parte da sociedade civil que estava fora do debate está se posicionando. Há um cenário novo, acabamos aprovando o Decreto das comunidades tradicionais. Temos que aproveitar esse espaço interno de discussão.
Devemos considerar também a democratização dos meios de comunicação de massa. Não temos conseguido conquista nenhuma nesse sentido. Temos muito o que conquistar.
Alerto que a política cultural tem que estar associada a politicas culturais sociais (educacionais, comunicativas, turismo, relações exteriores, etc.). Sem isso é uma política ineficiente.

Perguntas

Se vocês tiverem perguntas, podem postar aqui que eu as apresento aos palestrantes.

Pontos

Até agora, estão conectadas as seguintes cidades:
- Feira de Santana;
- Salvador;
- São Luís;
- Belo Horizonte;
- São Paulo;
- Curitiba;
- Fortaleza;
- Recife.

Em tempo real

Meu nome é Mariana Dornelles e estou aqui na sala da RNP de Brasília para tentar fazer uma relatoria em tempo real, para que todos possam acompanhar.
Ressalto que é um teste. Faremos o possível para que tudo funcione bem.

quarta-feira, 13 de junho de 2007

Diálogo intercultural e visões do mundo

O texto de referência é extremamente instigante.

Ao lê-lo, lembrei-me de algo que observei recentemente aqui nos EUA, onde moro: as obras de arte e de cultura que têm sua origem nas tradições culturais do Ocidente compõem os acervos dos Museus de Artes; os chamados conhecimentos tradicionais enconram seu lugar nos Museus de História Natural. É como se, como apontou José Jorge de Carvalho, os produtos das culturas tradicionais não se qualificassem como “arte” e sim como documento histórico de um tempo passado e superado.

Por outro lado, é interessante perceber como elementos oriundos das culturas tradicionais são incorporados e absorvidos por uma lógica de Mercado, o que se acentua ainda mais nessa era de globalização. Parece-me que os conhecimentos e culturas tradicionais servem como insumos que são apropriados pelos produtores dos países desenvolvidos, processados na máquina homogeneizante da indústria cultural e devolvidos como produtos para o consumode todos, inclusive dos próprios agentes dos conhecimentos tradicionais. No fundo, perpetua-se o regime colonial, no qual a periferia fornece material prima (simbólica, agora) para alimentar o sistema produtivo da metrópole.

Construir uma agenda e uma prática da diversidade cultural realmente democrática, na qual os detentores do conhecimento tenham de fato uma voz e um papel ativo na definição das políticas e ações, é um desafio. O estabelecimento de um efetivo diálogo intercultural seria um primero passo nessa direção. Entre os temas de discussão propostos, senti falta de algum item de caráter mais geral, que buscasse identificar, nas diferentes tradições culturais, a singularidade dos distintos sistemas de pensamento que elas exprimem. Visões do mundo que não deveriam ser vistas a partir das tradições ocidentais mas que poderiam propor uma leitura, nos seus próprios termos, destas tradições.

Uma última observação: fala-se muito, hoje em dia, da necessidade de promover o diálogo entre Ocidente e Oriente, o que acaba se traduzindo, de forma simplista, em promover as relações entre a Cristandade e o Islã. Trata-se de uma visão reducionista e de base dualista. Creio que o Brasil, e as Américas de um modo geral, podem contribuir para esse debate mundial ao apresentar outras tradições singulares, de fundo religioso ou não, e suas diversas combinações a arranjos particulares.

Paulo André Moraes de Lima

Quem ensina quem?

Sou do grupo Griôs, dançando a verdade e há alguns meses atrás participei de uma oficina de Maracatu com o grupo Nau de Ícaros, patrocinada pelo BB onde os oficineiros declaravam seu não pertencimento a nenhum grupo de Maracatu. Eram bailarinas clássicos (pertencentes as classes média e alta) que se interessaram pelo Maracatu e venderam seu projeto para BB. Então urge que todo e qualquer projeto que se diz vinculado a cultura popular efetivamente esteja ligado a esta e não simplesmente saibam fazer projetos que preencham os requisitos do edital.

Clarice Moraes

Videoconferência amanhã + novo texto publicado

Caros

Amanhã temos a videoconferência da oficina Conhecimentos Tradicionais, de 9 às 12h. Vejam à direita todas as informações e pontos que estarão contectados. Quem não puder participar de um ponto, pode acompanhar o debate pela web, acessando a página no MinC.

Foi postado um novo texto aqui no blog, da Profa. Dra. Rosângela Corrêa, sobre "Educar para a Diversidade". Vale à pena ser lido, está na data de 07/06.

Abraços
Marcela Bertelli

sexta-feira, 8 de junho de 2007

Vamos debater

Caros

A discussão anda interessante...

Sebastian nos provocou sobre a questão dos indígenas. Quando falamos de conhecimentos tradicionais no âmbito da Convenção da Diversidade, é fundamental considerar o que o prof. José Jorge tanto pontua: como é possível dar “voz” aos mestres dos conhecimentos tradicionais, aos indígenas, quilombolas, comunidades e pessoas com dificuldades de acesso aos meios de comunicação? Além disso, o que significa esse “dar voz”?

Não basta considerar historicamente importante a cultura do outro, e desenhar políticas para este. Há que se fazer política COM o outro. Não se faz “educação para” democracia, mas “educação em” democracia. Um é conseqüência do outro e não ao contrário, como diz Rosa Maria Torres.

Só é possível educar para a diversidade se há diversidade na educação. Mas também na política, nos processos, nos diálogos.

Sendo a cultura “espaço e processo” ao mesmo tempo, vale à pena ler o comentário postado pelo Chico Simões, onde ele diz: “é necessário ampliar o conceito de democracia, de educação e de comunicação para que possamos criar as bases que irão desencadear as mudanças históricas que desejamos”. É preciso entender em que medida tantos projetos e ações de proteção e promoção da diversidade cultural na verdade colaboram para a manutenção de um status quo de desigualdades.

Também a Ivone e o Wagner partilharam reflexões, vamos discuti-las? Oriente x ocidente, valorização da cultura popular em consonância com a consolidação de uma indústria cultural e do turismo. Debates fundamentais se quisermos efetivamente propor mudanças.

Américo, sua participação é mais que bem vinda! Como citei, dar voz é também saber ouvir. Essa iniciativa do MinC só é válida se vocês participam conosco!

Abraços

Marcela Bertelli

A Construção de Políticas Públicas para a Diversidade

O MinC, através da Secretaria da Identidade e da Diversidade Cultural, vem construindo com a sociedade civil, protagonistas da produção das expressões da diversidade cultural, diretrizes para a construção de políticas públicas para a cultura. Vários segmentos hoje participam deste processo, movimentos gays, povos rurais, estudantes, hip hop, culturas populares, indígenas e ciganos. Através de seminários e conferências estas articulações ganham espaço e poder para definir estas diretrizes, em processos democráticos e com representações de delegações que defendem as características de suas manifestações, regiões, orientações sexuais, etc.

Este momento é compartilhado por todas ações realizadas no governo Lula, na primeira gestão aconteceram conferências de toda ordem, sempre com a preocupação de permitir a escuta e a participação da sociedade civil. Hoje temos um cabedal de informações que fazem parte de planos em todos os ministérios, muitas das diretrizes apontadas transversalizam em ações interministeriais. Uma diretriz apontada no Seminário Nacional de Políticas Públicas para as Culturas Populares, hoje além de fazer parte do Plano Nacional de Cultura, esta incluída no Plano Nacional de Regionalização do Turismo do MTur, no Plano Nacional de Educação do MEC e no Plano Nacional de Desenvolvimento Sustentável dos Povos e Comunidades Tradicionais do MDA.

Desta maneira estes planos quando implementados devem permitir uma estrutura compartilhada, não sendo apenas desenvolvidos por uma determinada ação ligada a cultura, mas também o turismo, a educação e assim por diante.

No âmbito do MinC, o órgão máximo para deliberações de políticas para cultura será o Conselho Nacional de Políticas Culturais que terá entre seus conselheiros representantes dos povos indígenas, afro-descendentes e culturas populares. A pactuação federativa dever acontecer dentro do SNC – Sistema Nacional de Cultura, que conta hoje com mais de 2.000 municípios e 23 estados signatários.

O MinC já exercita esta pactuação em alguns programas, como o DOC TV da Secretaria do Audiovisual e os Pontos de Cultura da Secretaria de Programas e Projetos Culturais, através de editais onde o governo federal e os estados participam no orçamento e criando modelos e mecanismos que tornem estas ações sustentáveis e perenes.

Cada membro do SNC deverá portanto cuidar da sua diversidade cultural, pensando na proteção, promoção e sustentabilidade.

Estamos em momento muito especial diante do advento da Convenção da UNESCO, muito tem que ser feito. Acolher a nossa diversidade, é ao mesmo tempo desafiador e preocupante, o que devemos priorizar? Manifestações tradicionais que estão desaparecendo? Novíssimas que estão nascendo abandonadas? Organizar estes segmentos é fundamental para a manutenção destes, criar espaços de discussão, de elaboração e permitir que a cidadania cultural se estabeleça é um dos caminhos que vão permitir que estas políticas se incorporem na sociedade.

Américo Córdula

quinta-feira, 7 de junho de 2007

Partilhando visões

Partilhando minha visão...

O convite é ótimo.... mas ainda as possibilidades dos indígenas se expressar (nesse blog e no mundo) são muito poucas..... imagina de 500.000 índios aldeados...só 100 usam computador uma vez cada 15 dias...

Os discursos muito intelectuais não são suas praias.... gostam mais de ir ao concreto..o que fazer para melhor o mundo... mas ainda assim há alguma figuras de destaque que poderiam intervir....


Índios Tecnologia e Tradição


Há muito tempo, índios e tecnologia não se conciliavam.
Era impossível, imaginar ver índios navegando na rede mundial.
Até porque, na visão dos não indígenas,
O índio Brasileiro, é incapaz de ter seus próprios ideais.

Mas entre índios e não índios, quem primeiro popularizou,
Um pais que depois de invadido, disseram que um outro povo colonizou.
Daí fica uma pergunta, como o povo indígena vivia antes do SPI?
Será não se alimentava?
Será que não se organizava?
Ou então todas essas teorias criadas sobre os povos indígenas, são besteiras?

Ou nada disso seja verdade,
E sempre fomos independentes,
Pois caçávamos, pescávamos e nos organizávamos,
Então nós se consideramos, seres inteligentes e pensantes.

E agora porque o espanto?
Índios buscando autonomia?
Buscando porque, se sempre tivemos,
Ou será que, vamos viver em um mundo dependente, que criaram pra nós.

Então umbora meu povos indígenas vamos acordar,
Se antes caçávamos com arco e flecha,
Hoje temos um arco digital,
Se antes tínhamos que andar léguas e léguas,
Para falar com outros parentes indígenas,
Hoje temos um Chat

Então só tenho, mas uma coisa a falar,
O projeto índios on-line, não é de se espantar,
E que o índio não deixa de ser índio,
Só porque se conectou, mas ao contrario,
Isso só nos ajudou, e nos levou a realidade mundial,
Por isso não acredito, que índio conectado é banal.

Então não me interessa, se é índio ou não índio,
Ou qualquer povo que seja,
Só sei que todos são iguais perante a Deus,
Todos seres, inteligentes e pensantes,
Só com culturas e costumes diferentes,
Por isso meus parentes, vamos realmente ser independente,
E deixarmos de se sentir carentes, e buscarmos nossos ideais.

Então vamos aproveitar nossa conexão e lutar,
Seja de norte a sul, leste ou oeste,
Vamos conversar, e idéias vamos trocar,
E um mundo melhor vamos buscar,
Isso só depende de nós, indígenas sim,
Incapazes nunca.

Alexandre Pankararu
e-mail: alex@indiosonline.org.

Educar para a diferença

Profa. Dra. Rosângela Azevedo Corrêa*[1]

Hoje vivemos num mundo altamente competitivo, numa sociedade moderna que é concebida como composta de indivíduos autodeterminados, nascidos iguais e livres. Partimos de uma ideologia de menosprezo, para conciliar o inconciliável, ou seja, um etos meritocrático liberal de oportunidades iguais para todos no mercado e a desigualdade sócio-econômica que é parte e parcela do capitalismo liberal. Quando escutamos as notícias na televisão ou lemos os jornais, pareceria que os humanos são inerentemente etnocêntricos, tornando inevitavelmente hostis as relações entre culturas e que as culturas diferentes seriam incompatíveis.

O problema das diferenças culturais acompanha a antropologia desde suas origens e confesso que, como antropóloga, este foi sempre um tema que me fascinou. No entanto, embora se possa dizer que a antropologia nasce reconhecendo o fato das diferenças culturais, a disciplina definiu sua abordagem particular desse fato mediante um constructo teórico, que foi a própria “produção” da diversidade no plano conceitual. Quando a antropologia fala de diversidade, não está simplesmente registrando diferenças empíricas observáveis mas, ao contrário, está atribuindo a noção de diversidade como um lugar particular na explicação dos fatos. Está postulando que a diversidade não existe simplesmente como porção do fato real empírico, e que cabe ao investigador o esforço de construí-la desde sua perspectiva teórica.

Mas queremos partir de uma questão muito bem colocada por Paula Montero (1999) que é saber por que, e sobretudo para quem a diversidade cultural é um problema. A autora responde a questão afirmando que as diferenças culturais emergem como problemas, sempre que pessoas, grupos ou instituições estejam empenhados em integrar em um todo mais ou menos homogêneo – nação, sociedade brasileira, cidadania, etc. – as diferenças de hábitos, visões de mundo e valores distribuídos em um dado espaço geográfico. Ela afirma que “enquanto as diferenças culturais constituem um fato coetâneo das sociedades humanas, o problema da diversidade só se põe em circunstâncias muito particulares, nas quais um tipo específico de relação social, voltada para a integração das diferenças, prevalece” (1999: 40). Não é mera coincidência o fato de que hoje se fala cada vez mais em “diversidade” ou pluralidade cultural e não tanto em “diferenças”.

Diversidade cultural “inclui” ou “exclui”, mas quem ou o que está sendo excluído e com relação a que?

A questão da diversidade cultural se tornou hoje uma questão política espinhosa, porque cada vez mais a identidade coletiva parece definir-se em termos de etnicidade, cultura, herança e tradição, ressaltando o direito à diferença e autodeterminação, em contradição com o mundo global.

Como defender a igualdade sem desqualificar o referente da diferença cultural? Se buscarmos no Estado a resposta para esta pergunta, vamos encontrar que nos estados democráticos, os grupos – grandes organizações, associações, sindicatos, etc – e não os indivíduos, tornaram-se os protagonistas da vida política. As reivindicações de autonomia étnica que parecem voltadas demais para si, até o ponto da intolerância, tendem a ameaçar perigosamente os mecanismos de integração até então assegurados pelos Estados e partidos políticos de massa.

Nenhum estado-nação é culturalmente uniforme em si mesmo, mas a uniformidade cultural é o pré-requisito fundamental para o acesso à cidadania. O estado-nação mobiliza um sentimento compartilhado de pertencimento e uma lealdade radicada na língua, tradições culturais e crenças comuns. A cultura e a identidade nacional se fundamentam em uma herança histórica única, compacta e imutável. No caso brasileiro, a memória oficial é sempre uma, linear e homogeneizadora. Montero afirma que “A identidade nacional é uma ilusão, porque esconde o corpo fragmentado de um nação desprovida de direitos. Talvez, então, sentir-se brasileiro fosse possível nesses lugares sociais onde a solidariedade humana ainda é possível: nos grupos organizados em torno das lutas civis. No entanto, qual é a identidade que eles podem constituir nesse lugar? A de desprovidos, a de oprimidos, a de membros desgarrados de um corpo fragmentado pela ordem autoritária do Estado. Não há, pois nenhuma positividade cultural nesses sujeitos. Eles estão constituídos pela pura falta de direitos e, portanto, incapazes de transformar a desigualdade em diferenças ... O diferente é apenas aquele que não tem direitos. Ao responder ao problema dos direitos, perde-se a dimensão da diferença” (ibid p.59).


Montero considera que o problema da nação poderá resolver-se, talvez, no plano da igualdade dos direitos, mas no plano das diferenças culturais permaneceria uma equação à espera de sua solução.

Por outro lado, Stolcke (1993) considera que a diversidade cultural florescerá e será criativa sem trazer desvantagens quando de fato a sociedade for democrática e igualitária o suficiente para permitir que as pessoas resistam à discriminação (enquanto imigrantes, estrangeiros, mulheres, negros) e desenvolvam diferenças, sem colocar em risco a si mesmos e a sua solidariedade.

A diferença pressupõe uma questão do auto-reconhecimento e de ser reconhecido; assim, a identidade individual ou coletiva, sempre nos leva a dimensão da alteridade, por ser uma categoria social e relacional. Ela se constrói a partir de experiências comuns, que se defrontam e confrontam entre si.

Mas é preciso, também, levar em conta esse movimento que constitui a identidade em sua dupla dimensão: trata-se de se perceber semelhante aos outros (ser reconhecido e reconhecer) e, ao mesmo tempo, afirmar a diferença enquanto indivíduo ou grupo. Esta diferença, paradoxalmente, só pode ser afirmada e vivida como tal, ao supor uma certa igualdade e uma certa reciprocidade.

Ao mesmo tempo em que o mundo se globaliza, enquanto a escala de economia e da administração dos negócios fica mais vasta e mundial, Hobsbawn (1995) afirma que existe uma tendência psicológica das pessoas de olhar para algumas coisas com as quais elas possam se identificar, uma espécie de refúgio da globalização.

Esse é o contexto em que se reabre o debate sobre identidade e alteridade, ou diversidade. Uns buscam e rebuscam a identidade pretérita ou imaginária, a caminho da nostalgia; outros a identidade futura, possível ou imaginária, a caminho da utopia. Mas há os que reconhecem que a identidade é somente um momento da consciência social, algo presente e evidente, mas episódico, fugaz. Reconhecem que a identidade pode ser diferenciada, múltipla, contraditória, em movimento. Ao mesmo tempo em que se afirma um modo de ser, mobilizam-se relações e elementos culturais, formas de agir, sentir e pensar alheios, com os quais se busca afirmar ou imaginar a identidade, individual ou coletiva. Mas sempre essa consciência-em-si está sujeita a transfigurar-se em algo diverso, quando se forma a consciência-para-si. Deutscher comenta que aqueles que estão fechados dentro de uma sociedade, de uma nação ou de religião, tendem a imaginar que sua própria maneira de viver e de pensar tem validade absoluta e imutável e que tudo que contraria seus padrões é, de alguma forma, “anormal”, inferior e maligno. Os que vivem dentro dos limites de várias civilizações compreendem mais claramente o grande movimento. Podem conceber a realidade como dinâmica, plural, multicolorida e polifônica.

No âmbito da sociedade global, tanto se desenvolve a integração como a fragmentação. As relações, processos e estruturas que expressam a globalização produzem e reproduzem diversidades e desigualdades, convergências e tensões, interdependências e contradições. Na medida em que a globalização abala os quadros sociais e mentais de referência, os dilemas e as perspectivas parecem multiplicar-se, afetando práticas e convicções, hábitos e ilusões. O que parecia estável, definido, cristalizado, ou mesmo resolvido, logo se manifesta difícil, problemático ou inquietante.

Os indivíduos, grupos, classes, coletividades ou povos estão continuamente definindo-se e redefinindo-se reciprocamente. Independentemente de suas características étnicas, desenvolvem ideologias que classificam o Outro como diferente ou semelhante, igual ou estranho, oposto ou antagônico. Mobilizam características étnicas ou traços fenotípicos para distinguir, assemelhar, discriminar ou oprimir. Sempre reelaboram socialmente o “outro” de modo a transformá-lo em igual, semelhante, diferente, estranho, exótico, estrangeiro ou inimigo.

A multiplicidade dos movimentos de indivíduos e coletividades, em âmbito local, nacional, regional e mundial põe em confronto diversidades, desigualdades e contradições que se revelam a matéria prima de xenofobias, preconceitos, estigmas, etnicismos ou racismos. Sob certos aspectos, Ianni afirma que “as ideologias podem ser sínteses do complexo jogo das relações por meio das quais se encontram, acomodam, confrontam e tensionam diversidades e desigualdades, ou estilos de vida e visões de mundo. As ideologias taquigrafam, reiteram, naturalizam ou cristalizam identidades e antinomias, ou diversidades e antagonismos” (1996:19).

Em muitos lugares, os problemas raciais suscitam o contraponto cor, classe ou estamento. São formas de sociabilidade distintas e bastante demarcadas por suas especificidades, por seus enraizamentos nas tradições e mentalidades. Mas é inegável que cor, casta e classe não se dissolvem entre si. Mas que isso, recriam-se continuamente, umas vezes enrijecendo e outras flexibilizando as diversidades e as desigualdades sociais.

Tomados singularmente ou como coletividade, os indivíduos distinguem-se uns dos outros como pertencentes à mesma “raça”, ou como pertencente a raças distintas, como base na trama das relações sociais, as quais emergem traços fenotípicos ou marcas étnicas, como signos de semelhanças, diferenças, polarizações ou propriamente oposições. Essa trama de relações sociais alimenta-se de elementos presentes e passados, continuamente incorporados, recriados, modificados, atenuados ou exacerbados.

Na medida em que se inserem na trama das relações sociais, as semelhanças, diferenças, polarizações e antagonismos raciais adquirem a conotação de técnicas sociais. Entram no jogo das forças sociais, propiciando codificações ou cristalizações não só de diversidades, mas de hierarquias e desigualdades. Nesse sentido é que as ideologias raciais podem tornar-se forças sociais não só básicas, mas decisivas, garantindo a reiteração e recriação de hierarquias e desigualdades que parecem “raciais”, mas que na realidade são propriamente sociais, no sentido que são simultaneamente econômicas, políticas e culturais.

Na ideologia dominante, em geral, não se reconhece que o racismo é um problema estrutural. O termo racismo é reservado apenas a crenças e ações que apóiam abertamente a idéia de hierarquias de base genética ou biológica entre grupos de pessoas. O problema dessas definições restritas de racismo é que elas tendem a “fazer vista grossa” à natureza cambiante do racismo nas últimas décadas. O discurso do racismo está se tornando cada vez mais impregnado de noções que atribuem deficiências culturais a minorias étnicas. Essa culturalização do racismo constitui a substituição do determinismo biológico pelo cultural, isto é, um conjunto de diferenças étnicas reais ou atribuídas, representando a cultura dominante como sendo a norma, e as outras culturas como diferentes, problemáticas e geralmente atrasadas.

A partir de pesquisas realizadas em escolas públicas no Distrito Federal percebemos que ainda não é possível trabalhar pluralidade cultural porque nós não fomos educados para a diferença, pois a escola desconsidera o pensamento, a sensação, o sentimento e a intuição, a extroversão e a introversão, como também o literal e o abstrato, a palavra e a imagem, a expressão ativa e o silêncio, o corpo, a emoção e a fantasia. Encontramos crianças brincando de brigar na hora do recreio ou usando expressões negativas contra colegas durante as aulas como forma de relacionar-se com o outro.

Normalmente, na nossa cultura, repudiamos a agressividade, a vergonha, o fingimento, a mentira, a traição, o desprezo, a inveja, a covardia e a diferença. Mas é preciso perceber que situações inadequadas e até destrutivas podem ser transformadas com alto teor pedagógico, ou seja, identificadas as situações-limite, agimos, elaborando-as criativamente, sem medo nem vergonha, antes que transbordem. Como afirma Byington “È preciso não esquecermos que o ferro só se molda em altas temperaturas (1996:78). Hoje vivemos num mundo em que temos receio de nos aceitarmos e aceitar o outro porque pensamos ou desejamos um amor puro. É imprescindível saber que o amor inclui a afetividade e a agressividade. Portanto, “quanto mais um ser humano é domesticado como cordeiro, mais ele fabrica um lobo selvagem, mutilado ou perverso em sua sombra. Por isso, lobo e cordeiro devem ser exercidos e integrados no nível consciente, tanto quanto possível” (ibid p.79). O problema é como, onde e quando.

Nas escolas, entre familiares ou amigos, percebemos uma certa indiferença ou distância por temores ou desconfianças, pela justificativa de falta de tempo ou pelo individualismo em que vivemos. A afetividade aproxima o Eu e o Outro. A agressividade afasta. A afetividade diz sim, a agressividade diz não. Incorporar o sim e o não à socialização é um dos ensinamentos mais importantes e fundamentais da vida.

Mas temos que partir da seguinte premissa: a agressividade é “necessária e imprescindível para vida. Sem agressividade, não há transgressão e sem as duas, não há criatividade. Sem elaboração, a agressividade fica escondida e crua” (ibid p.81). Por isso, não basta o reconhecimento da diferença, é preciso saber lidar com os conflitos pessoais e interpessoais.

A sociedade brasileira é permeada por uma inegável violência estrutural, manifesta em um quadro de injustiças sociais, disparidades econômicas, exclusão e falta de oportunidades que afetam a maioria da população. Esse estado de coisas que se busca ocultar sob a aparência de naturalidade ou inevitabilidade, está na raiz de inúmeras modalidades de violência, mais fáceis de serem evidenciadas.

O fenômeno da violência, em sua complexidade e multicausalidade, tem engolfado também a adolescência. Os adolescentes, ao se envolverem com a violência, quer na condição de vítimas ou na de perpetradores, terminam por sofrer alguma forma de exclusão ou gera no adolescente a necessidade de formar grupos, “estereotipando-se a si próprios, aos seus ideais e aos seus “inimigos”, podendo tornar-se intolerantes e cruéis na sua exclusão de outros que são “diferentes”, como forma de defesa contra esse sentimento pela perda de identidade.

Nesses casos, o adolescente torna-se agente de exclusão, sob o risco de grupos rivais se engalfinharem numa escalada de agressões mútuas por motivos banais. Essa fragilidade interior do adolescente, muitas vezes é mascarada sob atitudes agressivas e tantos fatores de risco – álcool, drogas ilícitas, DST/Aids, brigas, etc. Todos esses fatores levam a destruição de si mesmo e dos relacionamentos familiares.

Um dos fatores para que os adolescentes tenham sido engolfados nessa trama de violência é a dificuldade de pais, profissionais da educação e de saúde, e governantes em compreenderem as características e necessidades dessa etapa da vida.

Qualquer projeto de prevenção da violência passa por uma articulação intersetorial, interdisciplinar, multiprofissional e com organizações da sociedade civil e comunitária que militam pelos direitos humanos e cidadania.

Mas temos que partir da seguinte premissa: a agressividade é “necessária e imprescindível para vida. Sem agressividade, não há transgressão e sem as duas, não há criatividade. Sem elaboração, a agressividade fica escondida e crua” (ibid pp.81). Por isso, não basta o reconhecimento da diferença, é preciso saber lidar com os conflitos pessoais e interpessoais.

Então como lidar com os conflitos?

Em qualquer grupo encontraremos similitudes e diferenças entre as pessoas mas parece que todo o esforço das instituições, seja a família, o Estado, a escola, o sindicato, a igreja, é a homogeneização estética, comportamental e de consumo dos indivíduos. Não aprendemos ver a beleza, o prazer, o criativo da diferença. E quando não atendemos os padrões de beleza, força e ideais sociais do Ter nos frustamos. Por isso aprendemos o funcionamento dos relacionamentos e das instituições para exercerem diretamente nossas emoções sem elaborar nossas frustações. Se o educador(a) consegue ajudas as pessoas a aprenderem a encontrar-se na sua diferença e a elaborar criativamente suas frustações, estará contribuindo para diminuir a distância entre as pessoas, o educador(a) estará dando uma enorme contribuição para a formação criativa do Ser.

O afeto é igualmente importante. O afeto cria universos. Uma palavra uma vez por semana, um olhar, um sorriso, um comentário, uma cobrança afetiva do comportamento podem pontuar a relação individualizada.

É comum que pais falem vocês para os filhos, mesmo quando a criança está só, incidindo na falta de diferenciação entre os filhos pela sobrecarga de funções gerais de alimentação, saúde, educação, vestuário, obrigações domésticas, tratando todos os filhos como obrigações a cumprir e não como pessoas. A pior conseqüência do relacionamento familiar exclusivamente em bloco é talvez o não aprendizado do modelo de relacionamento individual, íntimo e profundo. Isto acontece também com o professor que se torna uma máquina de transmitir idéias e conceitos e esquece de se relacionar com a individualidade do seus alunos. Refere-se à classe sempre como um todo, ou a divide entre “bons” e “maus” alunos, esquecendo-se de que cada um é uma pessoa, um pequeno mundo individual cheio de particularidades.

A educação para a diferença se reflete na humanização crescente do indivíduo consigo mesmo e na sua relação com o outro, resgatando a diferença como riqueza da vida social, estimulando a essência do saber e do aprender dentro do vínculo amoroso entre as pessoas.

Educar para a diferença permite que cada pessoa compreenda seu próprio valor, promovendo a auto-estima como ser humano pleno de dignidade, cooperando na formação de autodefesas a expectativas indevidas que poderiam ser prejudiciais. É preciso que cada vez mais possam existir espaços de convívio que possibilite conhecimentos e vivências que cooperam para que se apure sua percepção de injustiças e manifestações de preconceito e discriminação que recaiam sobre si mesmo, ou que venha a testemunhar - e para que desenvolva atitudes de repúdio a essas práticas.

Essa auto percepção mais elaborada coopera para o fortalecimento da auto-estima, abrindo-se assim para o diálogo com o Outro, para o trabalho de composição de memórias, identidades e projetos coletivos - de sua família, de seu grupo étnico, de seu bairro, de sua cidade ou estado, de sua região e de seu país.

Pela educação, pode-se combater, no plano das atitudes, a discriminação manifestada em gestos, comportamentos e palavras, que afasta e estigmatiza grupos sociais. Partilhar um cotidiano em que o simples "olhar-se" permite a constatação de que todos nós somos provenientes de diferentes famílias, diferentes origens e possuem, cada qual, diferentes histórias, nos permite desenvolver uma experiência de interação "entre diferentes", na qual cada um aprende e cada um ensina. Cada pessoa é única e, por essa singularidade, insubstituível.

É preciso que quando eu falo, tenha uma posição que compreenda a relatividade de opiniões, preferências, gostos, escolhas, é preciso aprender a respeitar o outro, independente de sua idade, sexo, posição social, status, profissão, gostos ou necessidades.

Para enfrentar a "diferença" é preciso discernimento, sensibilidade, intencionalidade e informação. Aqui se coloca a sensibilidade em relação ao outro. Compreender que o jovem infrator é alvo da discriminação, sofre de fato, e profundamente, é condição para que o tutor possa escutar até mesmo o que não foi dito. Como a história do preconceito é muito antiga, muitos dos grupos vítimas de discriminação desenvolveram um medo profundo e uma cautela permanente como reação. O tutor precisa saber que a dor do grito silenciado é mais forte do que a dor pronunciada.

É necessário que sejamos capazes de produzir um processo de ação - reflexão coletiva que engendre uma vontade de transformação e de autonomia das pessoas e grupos, para que possam relacionar-se dentro de padrões éticos de respeito mútuo, reconhecimento das diferenças e desejos de cooperação, superando a violência, o autoritarismo e o oportunismo político, de um lado, e a subserviência, a inércia, o acomodamento e dependência, de outro.

Qualquer projeto de prevenção da violência na escola passa por uma articulação intersetorial, interdisciplinar, multiprofissional e com as organizações da sociedade civil e comunitária que militam pelos direitos humanos e cidadania.

Educação para a diferença?

Partiremos da reflexão de Pierucci: “Somos todos iguais ou somos todos diferentes? Queremos ser iguais ou queremos ser diferentes? Houve um tempo em que a resposta se abrigava, segura de si, no primeiro termo da disjuntiva. Já faz um quarto de século, porém, que a resposta se deslocou. A começar da segunda metade dos anos 70, passamos a nos ver envoltos numa atmosfera cultural e ideológica inteiramente nova, na qual parece generalizar-se em ritmo acelerado e perturbador a consciência de que nós, humanos, somos diferentes de fato, porquanto temos cores diferentes na pele e nos olhos, temos sexo e gênero diferentes além de preferências sexuais diferentes, somos diferentes na origem familiar e regional, nas tradições e nas lealdades, temos deuses diferentes, diferentes hábitos e gostos, diferentes estilos ou falta de estilo; em suma, somos portadores de pertenças culturais diferentes. Mas somos também diferentes de direito. É o chamado “direito à diferença”, o direito à diferença cultural, o direito de ser, sendo diferente...” (1999: 7).

Em 1998, o Ministério de Educação elaborou os “Parâmetros Curriculares Nacionais” com o objetivo de respeitar as diversidades regionais, culturais e políticas existentes no país e considerar a necessidade de construir referências nacionais comuns ao processo educativo em todas as regiões brasileiras. Foram incorporados os “Temas Transversais”, como Ética, Meio Ambiente, Saúde, Orientação Sexual, Trabalho, Consumo e Pluralidade Cultural.

O desafio da escola é “reconhecer a diversidade como parte inseparável da identidade nacional e dar a conhecer a riqueza representada por essa diversidade etnocultural que compõe o patrimônio sociocultural brasileiro, investindo na superação de qualquer tipo de discriminação e valorizando a trajetória particular dos grupos que compõem a sociedade. Neste sentido, a escola deve ser local de aprendizagem de que as regras do espaço público permitem a coexistência, em igualdades, dos diferentes. O trabalho com Pluralidade Cultural se dá a cada instante, exige que a escola alimente uma “Cultura de Paz”, baseada na tolerância, no respeito aos direitos humanos e na noção de cidadania compartilhada por todos os brasileiros” (MEC/SEF 1998).

Essa visão transcultural, como filosofia educativa, seria especificada nos seguintes objetivos ( Lynch, 1989):

a) desenvolver uma certa empatia para com os outros seres humanos, compreendendo a diversidade, as similitudes, as diferenças e as interdependências

b) conhecer as razões dos conflitos entre seres humanos, no círculo de relações dentro de nações ou no contextos internacional ;

c) desenvolver um compromisso em combater os preconceitos e discriminações, favorecendo a solidariedade e o respeito aos direitos humanos;

d) valorizar o significado das realizações de indivíduos e grupos distintos;

e) internalizar normas morais de comportamento dentro das sociedades e de um mundo pluricultural;

f) desenvolver a compreensão da interdependência entre distintos ambientes, economias e culturas;

g) adquirir habilidades práticas, conhecimentos, destrezas e atitudes apropriadas para se desenvolver em uma sociedade pluralista;

h) desenvolver capacidades de imaginação, investigação e de racionalidade para comportar-se responsavelmente no meio cultural , social e ambiental.

Dois fundamentos ou motivações de natureza muito desigual intervêm nos programas multiculturais:

1) necessidade de integrar as minorias ou massas procedentes de outras culturas no sistema social, através da educação, sem eliminar a cultura de procedência, fazendo-o no sistema de escola única com um currículo comum, evitando a rejeição às instituições escolares por parte das minorias – o que seria , certamente, uma rejeição à sociedade. Levar isso em consideração é uma medida preventiva para aliviar o fracasso escolar a que dá lugar enfrentar um sistema de valores e de conhecimento muito alheio ao de origem; 2) por outro lado, uma motivação democrática e ética pelo respeito a outras culturas diferentes da própria na escolarização de seus membros. Uma idéia que leva a colocar a necessidade de um certo relativismo cultural que combata o etnocentrismo em sociedades plurais.

O multicultural mostra que o diálogo entre as diferentes culturas é enriquecedor, mesmo que sua meta não é a afetiva comunicação entre culturas. O multicultural ajuda a descobrir a face de nossa própria cultura espelhada em outra cultura.

O intercultural é claramente favorecido pelo desenvolvimento dos transportes e da comunicação e pela globalização econômica. A descoberta de culturas outrora pouco conhecidas ou desconhecidas fez emergirem potencialidades insuspeitadas de nossa própria cultura.

Obviamente, o multicultural e o intercultural não garantem sozinhos a comunicação entre todas as culturas, o que pressupõem uma linguagem universal fundada em valores compartilhados, mas certamente são um passo importante em direção ao advento da comunicação transcultural.

O transcultural designa a abertura de todas as culturas para aquilo que as atravessa e as ultrapassa. Nenhuma cultura se constitui em um lugar privilegiado a partir do qual podemos julgar as outras culturas. Cada cultura é a atualização de uma potencialidade do ser humano, em um lugar específico da terra e em diferentes momentos da história. Diferentes lugares da terra e diferentes momentos da história analisaram diferentes potencialidades do ser humano, isto é, diferentes culturas. É a totalidade aberta do ser humano que constitui o "lugar sem lugar" do que atravessa e transcende a cultura.

A pluralidade complexa das culturas e a unidade aberta do transcultural coexistem na visão transdisciplinar. O transcultural é a ponta de lança da cultura transdisciplinar. As diferentes culturas são as diferentes facetas do ser humano. O multicultural permite a interpretação de uma cultura pela outra; o intercultural permite a fertilização de uma cultura pela outra; e o transcultural assegura a tradução de uma cultura para várias outras culturas, decifrando o significado que as une, embora também as ultrapasse.

A linguagem transcultural, que permite o diálogo entre todas as culturas e impede a homogeneização, é um dos principais aspectos da pesquisa transdisciplinar.

A Evolução Transdisciplinar do Aprender

O advento de uma nova cultura capaz de contribuir para a eliminação das tensões que ameaçam a vida de nosso planeta será impossível sem um novo tipo de educação que leve em consideração todas as dimensões do ser humano. Todas as várias tensões - econômicas, culturais, espirituais - são inevitavelmente perpetuadas e aprofundadas por um sistema educacional fundado em valores de outro século e pelo desequilíbrio acelerado entre as estruturas sociais contemporâneas e as mudanças que estão acontecendo no mundo atual.

Nicolescu comenta que “apesar da enorme diversidade dos sistemas de educação de um país para outro, a mundialização dos desafios de nossa época leva a mundialização dos problemas da educação. Os diversos abalos que atravessam a área de educação num ou noutro país são os sintomas de uma única e mesma fissura: a da desarmonia que existe entre valores e as realidades de uma vida planetária em mutação. Embora não exista receita milagrosa, há um centro comum de questionamento que convém não ocultar se quisermos realmente viver em um mundo harmonioso” (2000:54).

Os métodos transdisciplinares na educação, em concordância com a metodologia transdisciplinar, estão contidos na Declaração de Locarno; em seguida apresentarei os quatro-pilares de um novo tipo de educação: aprender a conhecer, aprender a fazer, aprender a viver junto e aprender a ser.


Aprender a conhecer:

Significa ser capaz de estabelecer pontes - entre os diferentes saberes, entre estes saberes e seus significados para nossa vida cotidiana, entre estes saberes e significados e nossa capacidades interiores. Esta abordagem transdisciplinar será o complemento indispensável do procedimento disciplinar, pois ela conduzirá ao surgimento de seres continuamente re-ligados, capazes de se adaptarem às exigências cambiantes da vida profissional e dotados de uma permanente flexibilidade sempre orientada em direção à atualização de suas potencialidades interiores.

Aprender a fazer
:

É uma aprendizagem de criatividade. "Fazer" também significa descobrir o novo, criar, trazer à luz nossas potencialidades criativas.

Criar as condições para o surgimento de pessoas autênticas significa assegurar as condições para a máxima realização de suas potencialidades criativas. A hierarquia social, tantas vezes arbitrária e artificial, pode assim ser substituída pela cooperação de níveis estruturados em função da criatividade pessoal. Ao invés de serem níveis impostos pela competição que não leva em consideração a dimensão interior do ser humano, estes níveis seriam, de fato, níveis de ser. A abordagem transdisciplinar está baseada no equilíbrio entre a pessoa exterior e a pessoa interior. Sem esse equilíbrio, "fazer" não significa nada mais que "se submeter".

Viver em conjunto:

Não significa apenas tolerar as diferenças das opiniões, cor e crenças dos outros; submissão às exigências dos poderosos; navegar entre os meandros de incontáveis conflitos; separar definidamente a vida interior da vida exterior. A atitude transcultural pode ser aprendida. Ela é inata, na medida em que em cada ser existe um âmago sagrado, intangível. Contudo, se essa atitude inata for apenas potencial, ela pode permanecer não atualizada para sempre, ausente de vida e da ação. Para que as normas de uma coletividade sejam respeitadas, elas precisam ser validadas pela experiência interior de cada ser. A atitude transcultural nos permitirá assim compreender mais a nossa cultura, defender melhor os nossos interesses, respeitar melhor as nossas convicções.

Aprender a ser:

Sabemos existir mas como aprender a ser? Podemos começar aprendendo que a palavra "existir" quer dizer, para nós: descobrir nossos condicionamentos, descobrir a harmonia ou desarmonia entre nossa vida individual e nossa vida social, testar as bases de nossas convicções a fim de descobrirmos o que se encontra embaixo. Questionar, questionar sempre.

Aprender a ser também é uma aprendizagem permanente na qual os professores informam os alunos tanto quanto os alunos informam os professores. A formação de uma pessoa passa inevitavelmente pela dimensão transpessoal. O desrespeito por esse acordo necessário explica, em grande parte, uma das tensões fundamentais de nossa época, aquela entre o material e o espiritual.

Há uma inter- relação muito clara entre os quatro pilares do novo sistema de educação: como aprender a fazer aprendendo a conhecer e como aprender a ser aprendendo a viver junto?

Na visão transdisciplinar, há uma trans-relação que liga os quatro pilares do novo sistema de educação e que tem sua origem em nossa própria constituição enquanto seres humanos. Uma educação só pode ser viável ser for uma educação integral do ser humana. Uma educação que se dirige à totalidade aberta do ser humano e não apenas a um dos seus componentes.

A educação atual privilegia o intelecto, em detrimento da sensibilidade e do corpo. Isso foi certamente necessário em determinada época para permitir a explosão do conhecimento. Mas se esse privilégio continuar nos arrastará para a lógica louca da eficiência pela eficiência, que só pode desembocar em nossa autodestruição.


A partilha universal do conhecimento não pode ocorrer sem o surgimento de uma nova aceitação, fundamentada numa atitude transdisciplinar, que implica colocar em prática a visão transcultural, transreligiosa e transnacional. Decorre daí a relação direta e inquestionável entre paz e transdisciplinaridade.

Corrêa (2003) comenta no seu texto que a educação para a paz implica uma nova concepção da experiência escolar e familiar e do papel da própria escola/família. A articulação de seus conceitos, métodos, estratégias e objetivos é complexa e ambiciosa: inclui dimensões ecológicas, históricas, culturais, sociais, políticas e econômicas da realidade e a construção de uma sociedade baseada em princípios éticos e de solidariedade. A proposta de educação para a paz precisa muito mais que boa vontade, conhecimento e disposição de recursos dos educadores. Vivemos em um só mundo, desigual, injusto e diverso, em que temos que fazer frente aos problemas de espécie (esgotamento dos recursos naturais, poluição ambiental, extinção da vida de várias espécies animais e vegetais, risco de holocausto atômico), as relações de dependência geradas por formas de desigualdade (de classe, gênero, étnica, racial) e vulnerabilidade dos direitos econômicos, sociais e políticos de muitos povos e habitantes do planeta.

Pérez (2002) afirma que educar para a paz supõe educar para a mudança social, supõe “educar para considerar a utopia como o motor da história”. Concebemos a educação para a paz “como um processo educativo contínuo e permanente, fundamentado em dois conceitos definidores, o conceito de paz positiva e a perspectiva criativa de conflito, que através da aplicação de métodos problematizantes pretende desenvolver um novo tipo de cultura, a cultura de paz, que ajude as pessoas a desvendar criticamente a realidade, complexa e conflituosa, para poder situar-se diante dela e agir em conseqüência” (Jares 1994:4).

Em qualquer grupo encontraremos similitudes e diferenças entre as pessoas, mas parece que todo o esforço das instituições, seja a família, o Estado, a escola, o sindicato, a igreja é a homogeneização estética, comportamental e de consumo dos indivíduos. Não aprendemos a ver a beleza, o prazer, o criativo da diferença; e quando não atendemos aos padrões de beleza, força e ideais sociais do ter, nos frustramos. Por isso, aprendemos o funcionamento dos relacionamentos e das instituições que afetam diretamente sobre nossas emoções, sem haver espaços para elaborar nossas frustrações. Se o educador(a) conseguir ajudar as pessoas a aprenderem a encontrar-se na sua diferença e a elaborar criativamente suas frustrações, estará contribuindo para diminuir a distância entre as pessoas e estará dando uma enorme contribuição para a formação criativa do Ser.

O afeto é igualmente importante. Ele cria universos. Uma palavra de afeto e/ou admiração, pelo menos uma vez por semana, um olhar, um sorriso, um comentário, uma cobrança afetiva do comportamento podem pontuar a relação individualizada.

É comum que pais falem “vocês” para os filhos, mesmo quando a criança está só, incidindo na falta de diferenciação entre os filhos pela sobrecarga de funções gerais de alimentação, saúde, educação, vestuário, obrigações domésticas, tratando todos os filhos como obrigações a cumprir e não como pessoas. A pior conseqüência do relacionamento familiar exclusivamente em bloco é, talvez, o não aprendizado do modelo de relacionamento individual, íntimo e profundo. Isto acontece também com o professor que se torna uma máquina de transmitir idéias e conceitos e se esquece de se relacionar com a individualidade do seus alunos. Refere-se à classe sempre como um todo, ou a divide entre “bons” e “maus” alunos, esquecendo-se de que cada um é uma pessoa, um pequeno mundo individual cheio de particularidades.
A educação para a diferença se reflete na humanização crescente do indivíduo consigo mesmo e na sua relação com o outro, resgatando a diferença como riqueza da vida social, estimulando a essência do saber e do aprender dentro do vínculo amoroso entre as pessoas.
Educar para a diferença permite que cada pessoa compreenda seu próprio valor, promovendo a auto-estima como ser humano pleno de dignidade, cooperando na formação de autodefesas relativas a expectativas indevidas que poderiam ser prejudiciais. É preciso que cada vez mais possam existir espaços de convívio que possibilitem conhecimentos e vivências que cooperem para que se apure sua percepção de injustiças e manifestações de preconceito e discriminação que recaiam sobre si mesmos, ou que venha a testemunhar - e para que desenvolvam atitudes de repúdio a essas práticas.

Essa auto-percepção mais elaborada coopera para o fortalecimento da auto-estima, abrindo-se assim para o diálogo com o Outro, para o trabalho de composição de memórias, identidades e projetos coletivos - de sua família, de seu grupo étnico, de seu bairro, de sua cidade ou estado, de sua região e de seu país.

Pela educação pode-se combater, no plano das atitudes, a discriminação manifestada em gestos, comportamentos e palavras, que afasta e estigmatiza grupos sociais. Partilhar um cotidiano em que o simples "olhar" permite a constatação de que todos nós somos provenientes de diferentes famílias, diferentes origens e possuem, cada qual, diferentes histórias, nos permite desenvolver uma experiência de interação "entre diferentes", na qual cada um aprende e cada um ensina. Cada pessoa é única e, por essa singularidade, insubstituível.
No diálogo, precisamos ter uma posição que compreenda a relatividade de opiniões, preferências, gostos, escolhas, é preciso aprender a respeitar o outro, independente de sua cor, idade, sexo, posição social, status, profissão, gostos ou necessidades. Aqui se coloca a sensibilidade em relação ao outro.
Para enfrentar a "diferença" é preciso discernimento, sensibilidade, intencionalidade, escuta e informação. Aquele que é alvo da discriminação, sofre de fato, e profundamente, e o educador precisa escutar até mesmo o que não foi dito. Como a história do preconceito é muito antiga, muitos grupos vítimas de discriminação desenvolveram um medo profundo e uma cautela permanente como reação. O educador precisa saber que a dor do grito silenciado é mais forte do que a dor pronunciada. De maneira que trabalhar o preconceito que temos sobre determinada pessoa ou coisa é fundamental para estabelecer uma relação mais verdadeira e um diálogo fecundo. Eu e o Outro interagimos tendo a oportunidade igual de expressar nossas semelhanças e diferenças, ou seja, o Eu e o Outro temos a liberdade de vivenciar toda a sua realidade. Eu sou diferente do Outro, mas também seu igual.
É necessário que sejamos capazes de produzir um processo de ação- reflexão coletiva que engendre uma vontade de transformação e de autonomia das pessoas e grupos, para que possam relacionar-se dentro de padrões éticos de respeito mútuo, reconhecimento das diferenças e desejos de cooperação, superando a violência, o autoritarismo e o oportunismo político, de um lado, e a subserviência, a inércia, o acomodamento e dependência, de outro.
O objetivo da educação para a diferença é harmonizar a convivência de diferentes grupos sociais; promover a justiça social considerando as distinções dos segmentos sociais; permitir o acesso de todos os seres humanos aos bens intelectuais, materiais, espirituais e naturais; assim como mobilizar a todos para a aceitação de si mesmo que é diferente do Outro e, por esta razão, somos muito mais enriquecidos nesta convivência dos diferentes.

REFERÊNCIAS:

- BRASIL. MEC. Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros Curriculares Nacionais, Brasília: Secretaria de Educação Fundamental, 1998.

- BYINGTON, Carlos Amadeu Botelho. Pedagogia Simbólica: a construção amorosa do conhecimento do Ser; Rio de Janeiro: Record: Rosa dos Tempos, 1996.

CORRÊA, Rosângela. Cultura, educação para, sobre e na paz. In: Cultura de Paz: estratégias, mapas e bússolas. Salvador: INPAZ, 2003.

- NICOLESCU, Basarab. A prática da transdisciplinaridade. In: Educação e transdisciplinaridade. Brasília: Unesco, 2000.

- MONTERO, Paula. “Diversidade Cultural: inclusão, exclusão e sincretismo”, in Juarez Dayrell (org.) “Múltiplos Olhares sobre educação e Cultura”, Belo Horizonte: ED. UFMG, 1996.

- PÉREZ SERRANO, Gloria. Educação em Valores: como educar para a Democracia. Porto Alegre: Artmed, 2002.

- PIERUCCI, Antônio Flávio. Ciladas da diferença, São Paulo: USP, Ed.34, 1999.

- STOLKE, Verena. “Cultura européia: uma nova retórica de exclusão”, Revista Brasileira de Ciências Sociais, ANPOCS, n.22, v. 8, junho 1993.



[1] Historiadora, Mestre e Doutora em Antropologia Social.

segunda-feira, 4 de junho de 2007

Presidente operário, Ministro tropicalista e culturas populares no Brasil globalizado

Chico Simões disse...


PRESIDENTE OPERÁRIO, MINISTRO TROPICALISTA E CULTURAS POPULARES NO BRASIL GLOBALIZADO.

Cultura popular não é o que se chama tecnicamente de folclore mas uma linguagem de permanente rebelião histórica. O encontro dos revolucionários desligados da razão burguesa com as estruturas mais significativas desta cultura será a primeira configuração de um signo verdadeiramente revolucionário
Glauber Rocha

Se cultura é o patrimônio de bens simbólicos materiais e imateriais de um povo, se é o que nos identifica como seres humanos, pertencentes a um determinado grupo, se é o que nos define como nação, tradição, invenção, preservação e transformação da realidade...
Compreender as múltiplas dimensões dessa cultura e o momento político que vivemos é essencial ao nosso projeto de sobrevivência planetária ambiental e transformação social.
Políticas de inclusão das classes populares, historicamente marginalizadas, no processo de desenvolvimento social exigem mudanças estruturais nas formas tradicionais de relações de poder. É preciso ampliar o conceito de democracia, de educação e de comunicação para que possamos criar as bases que irão desencadear as mudanças históricas que desejamos.
Hoje, a falta de recursos alternativos e a comodidade tecnológica impõem a televisão e o rádio como os principais meios de acesso a bens culturais imateriais e a informações gerais. Esses veículos de comunicação em sua maioria pertencem a grupos privados com interesses econômicos e políticos contrários aos interesses populares, ecológicos e nacionais e ao invés de suprirem as necessidades de informação e de formação cultural dos cidadãos, mercantilizam todos os conteúdos, empobrecendo e reduzindo a educação e a cultura a meros produtos na prateleira de um mercado onde a “competitividade” é o principal mandamento da “lei do mais forte”.
Os bens culturais mais expressivos da criação brasileira e universal estão acessíveis a pequenas parcelas da população, seja em grupos resistentes de cultura popular (bumbas-meu-boi, congadas, reisados, catiras, guerreiros, folias, fandangos e etc) ou grupos de classe média produtores e consumidores de literatura, cinema, teatro, artes plásticas e etc. Esses diferentes grupos, responsáveis pela construção da identidade (e da contradição) cultural brasileira, estimulados pelo momento histórico (presidente operário, ministro tropicalista) precisam intensificar a construção de espaços dialógicos de interatividade e colaboração, trocando experiências, buscando alternativas sustentáveis de reconhecimento, fortalecimento e difusão das culturas populares brasileiras.
Em um mundo coisificado onde a globalização imposta pelo império capitalista, faz com que o "consumismo" seja parâmetro para medir a condição social dos indivíduos, necessitamos com urgência difundir as culturas portadoras de valores éticos humanistas e ecológicos necessários à construção do mundo mais justo e equilibrado que sonhamos.
Uma das características do capitalismo, do catolicismo de estado e do “new pentecostalismo” é a necessidade de destruição das culturas populares locais para que, em seu lugar, as novidades descartáveis do Deus-mercado sejam consagradas como símbolo de desenvolvimento e de vida nova.
Dado às características peculiares de produção e organização das culturas populares, (patrimônio imaterial) se faz necessário à revisão dos procedimentos (programas políticos) e das leis de incentivo para estas áreas que não sobrevivem dentro das relações tradicionais do mercado capitalista nem conseguem se ajustar às exigências burocráticas legais do estado.
Uma experiência exemplar, apesar de todas as dificuldades enfrentadas, esta em curso através do programa cultura viva, são os Pontos de Cultura que já se articulam por todo o país, com apoio, mas independentes do estado criando redes de interatividades fazendo pontes entre setores tradicionalmente apartados, inserindo no cenário nacional uma pauta nova, mas que veio pra ficar.
Nossa luta é contínua, mas nossas ações não devem perder de vista este combate. Para que sejamos eficientes os pontos de cultura precisam ser também consideradas sob o prisma da transversalidade, permeando várias áreas do conhecimento humano, articulando-se no âmbito das políticas públicas ás áreas de educação, saúde, meio ambiente, desenvolvimento sustentável, geração de trabalho e renda, comunicação e toda a pauta da inclusão sócio-culturall e da sustentabilidade no Brasil, no planeta.
O passado e o futuro também fazem parte do presente, em permanente estado de ebulição.

Chico Simões, chicosimoes@gmail.com
www.invencaobrasileira.com.br
Tel. 61 – 8408 2031 ou 3352 5054